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One of the fictions that help to build the Runner's life, story, surroundings, etc. |
Terapia Oasis – Sunday Morning Call A terapeuta disse que seria bom se eu escrevesse. Ela agora diz que tenho talento e que eu posso fazer disso uma válvula de escape para as minhas frustrações. Eu imagino se é coincidência ela ter dito que eu tenho talento logo no dia do pagamento da minha mensalidade, mas mesmo se eu dissesse isso a ela eu ouviria que não consigo aceitar elogios, que não os recebo verdadeiramente e que a minha idéia é fruto de uma neurose, que precisaria trabalhar isso. Para não ter que ouvir essas coisas, eu resolvi escrever para mim mesmo, que coisa idiota, Antônio. Você sabe que eu não gosto do nosso nome, não é? É claro que sabe: você sou eu e eu sou você. Que inferno, Antônio. Como eu posso alcançar alguma cura se estou aqui escrevendo para mim mesmo? Eu não me espantaria se ela nos mandasse jogar pedras na lua, e você? Tendo feito a pergunta, só me resta receber a resposta. E Deus sabe que eu não quero recebê-la. Isso indicaria um caso sem jeito, eu acho! Três anos de terapia cognitivo-comportamental me mostraram que a minha analista, que não é analista mas eu gosto de chamá-la assim porquê acho chique, é tão ou mais louca do que eu. Vai ver aquela estória de que todo mundo que faz psicologia é meio louco é verdade. Não sei, eu me formei em filosofia. Lembro-me que durante o curso eu imaginava que a filosofia iria me libertar como ser humano, cidadão e homem. Você se lembra também, Antônio? Depois de formado, as ilusões foram embora e vi que uma libertação ideológica e pessoal apenas te joga em um novo paradigma que também te escraviza, ou seja, meu amigo Charlie Brown...digo...Tonho: precisamos das escravidões que nos dão parâmetros, rumos e esperança. Essa coisa de esperança é engraçada...você passa um tempo querendo alguma coisa, as vezes desesperadamente e, quando a consegue, o tempo transforma seu desejo em algo cotidiano. A mágica tende a se tornar rotina e, possivelmente, algo morre. A isso, damos o nome de banalidade, não é, Antônio? Eu imagino quanto tempo vai levar até que ela nos agarre, quanto tempo até que nos tornemos mais próximos da Máquina, mais próximos da perfeição que buscamos para nos eternizar. Nos salvar da obliteração que a morte parece causar. Nos salvar do esquecimento. Buscamos os filhos, as obras, as guerras, os esforços, as redações, buscamos a vida antes que a morte nos busque. Antônio, acho que vamos ficar um pouco mais imortalizados depois deste exercício de terapia cognitivo-comportamental. Estou me sentindo quase especial, com rima e tudo. Um ator desconhecido do talvez longa da minha vida mas, meu velho, se continuarmos nessa atividade, será que não viveremos um curta-metragem? Não sei, só sei que estou ficando de saco cheio de digitar para mim mesmo. Vou salvar e encriptar este arquivo em algum diretório dentro da Sara. Agora, o quê importa é dormir, temos hematomas para sarar. Repetição infame, né? Falando em infame, por onde será que andam nossos pais adotivos? Falar em vida me faz lembrar deles. As vezes, eu sinto falta...e como sinto. |